sexta-feira, 10 de abril de 2020

. Rawls: a crítica comunitarista de Sandel



Michael Sandel (n.1953), que já conheces desde as aulas de Ética, também critica a teoria da Justiça Social proposta por Rawls. A crítica, porém, não vai no sentido de contestar os princípios propriamente ditos, mas no modo como devemos chegar à definição desses mesmo princípios. 
Como comunitarista que é, não concorda com a ideia liberal de que o bem comum resulte da simples combinação das preferências individuais, como defendia Nozick. Pelo contrário, os comunitaristas entendem o bem comum como aquilo que deve determinar e avaliar as preferências individuais. Ou seja, o bem comum não é uma espécie de síntese resultante daquilo que cada um considera o melhor, como defendem os libertaristas, mas a ideia geral que deve inspirar o modo como cada um gere a sua vida. O mesmo é dizer que só a comunidade permite encontrar, em conjunto, o modo de vida que define uma vida boa, que é afinal o bem comum. Como acontece, por exemplo, nas famílias: não escolhemos a nossa família, mas é esta que molda muitas vezes as nossas opções, preferências, fidelidades... Até aqui, nada que Ralws não aceitasse. Em relação ao modo como deverão as comunidades definir a ideia de bem comum, já o mesmo não podemos dizer. É aí, exatamente, que as divergências entre os autores se estabelecem, como veremos de seguida.
Ainda que a noção de família não seja universal - há diferentes tipos de família -, é à família que vamos buscar os princípios orientadores das nossas vidas. O mesmo se passa com os mais diversos grupos que frequentamos ao longo da vida - grupo de amigos, de trabalho... -. Mesmo que tenhamos um espírito crítico e às vezes não concordemos com as regras impostas pelo grupo, é por referência a essas regras que vivemos e não o contrário. Ou seja, a ideia de bem, logo de justiça, deriva sempre das comunidades concretas em que vivemos. Pelo que a definição dos princípios de uma sociedade justa nunca deveriam resultar de um exercício abstracto, hipotético e desenraizado, como a "posição original" e o "véu da ignorância" propostos por Rawls. Segundo Sandel, a razão é simples: não basta que as nossas escolhas sejam imparciais, como propõe Rawls, para que sejam boas. Avaliar uma escolha como boa ou como má será sempre uma questão moral, isto é, de acordo ou em desacordo com a ideia de bem reconhecida por todos os elementos de uma mesma comunidade. O que não acontece na situação hipotética de Rawls, uma vez que coloca as pessoas numa situação de ignorância anterior a qualquer moral, como seres racionais convidados a ter apenas em conta os seus interesses individuais.
Ainda que Sandel tenha uma certa razão, uma vez que um acordo justo dificilmente poderá resultar de um exercício exclusivamente racional e hipotético - um acordo é justo porque é bom e não apenas porque as pessoas concordam  -, ficam algumas questões por resolver. Ficamos sem saber, de facto, como é que a ideia de bem comum poderá inspirar de modo universal e chegar a todos de igual maneira. Quem é que define, desde logo, o que é moralmente correto de modo a constituir uma sociedade justa? A tradição? Veja-se, a esse respeito, uma vez mais o exemplo da família. Está a família tradicional - pai, mãe e filhos - mais habilitada a transmitir a diferença entre o bem e o mal do que uma família monoparental ou homossexual? E se é a situação concreta de cada comunidade que deverá determinar o que é ou não justo de acordo com a moral vigente, que legitimidade temos para condenar as sociedades Teocráticas, como o Irão, em que se cometem as maiores atrocidades em nome da moral diretamente ditada por Deus? Pois é... pensa no assunto e tira as tuas próprias conclusões: sapere aude!

. Rawls: a crítica libertarista de Nozick



Robert Nozick (1938-2002) é um filósofo norte-americano cuja obra capital - Anarquia, Estado e Utopia -, publicada em 1974, deverá ser entendida como resposta a Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, publicada três anos antes. 
Segundo este filósofo, que aceita na generalidade o princípio da liberdade - só não aceita a ideia de que não há liberdades absolutas -, o problema da teoria da justiça proposta por Rawls está no princípio da diferença. Segundo este princípio, como terá ficado claro nas publicações anteriores, a riqueza deveria ser distribuída de modo a que os menos favorecidos ficassem na melhor situação possível. Um princípio, segundo Nozick, que só seria aplicável à custa da intervenção constante do Estado e do sacrifício eticamente intolerável dos direitos das pessoas. Dito de outro modo, segundo Nozick a aplicação do princípio da diferença implica uma intromissão abusiva do Estado na vida individual, tratando os bens das pessoas como se não fossem delas.
Analisemos o exemplo de Cristiano Ronaldo à luz da crítica de Nozick. Imaginando que o atleta português adquiriu toda a sua riqueza de forma justa,  sem ter enganado ninguém e que as partes que com ele celebraram os contratos o fizeram de forma voluntária, será eticamente correto obrigá-lo a pagar mais impostos de modo a compensar os menos favorecidos economicamente? Nozick afirma que isso não é tolerável, uma vez que haverá sempre quem não se esforça o suficiente, ao contrário de Ronaldo, e se aproveitaria disso, acabando por viver à custa dos outros. Ou seja, segundo Nozick, a propriedade é um direito absoluto e nunca o Estado deveria estar autorizado a "tirar" a uns para "dar" a outros sem o consentimento dos primeiros. Mais: cada um deverá sentir-se livre para fazer uso da sua riqueza como muito bem entender, nomeadamente investi-la livrevemente de modo a gerar lucro e mais riqueza ainda, o que faz de Nozick um libertarista, isto é, um defensor radical do liberalismo económico segundo o qual o mercado não conhece outras regras senão as que dita a si mesmo.
Continuemos a pensar no caso de Ronaldo e vejamos se a visão de Nozick será inatacável. É verdade que Ronaldo deve a sua fortuna a si mesmo, sobretudo ao profissionalismo que todos lhe reconhecemos, mas não será igualmente verdade que nem todos tiveram a sorte de nascer com a sua compleição física e genética? Não há indivíduos que, por muito que se esforçam, jamais alcançarão o seu nível? Os portadores de deficiência, por exemplo. E outros ainda, que embora fisicamente apetrechados, nunca tiveram a oportunidade de desenvolver as suas capacidades? Que fazer desses? Vamos deixar que permaneçam vulneráveis para sempre e dependem da solidariedade de Ronaldo como sugere Nozick - Nozick afirma que embora não seja justa obrigar os mais favorecidos  a ajudar os mais necessitados, devemos apelar à sua generosidade -? E se Ronaldo não fosse solidário? E quantos lucrarão da solidariedade de Ronaldo? Poderá Ronaldo estar em todo o lado e substituir-se ao Estado? Já agora, em relação à ideia de mercado livre, se a ideia é a de que o mercado dita as suas próprias regras e a iniciativa privada deve ser respeitada sem quaisquer limites, por que razão deveria ser o Estado a salvar os bancos privados quando estes entram em colapso? Pois é... deixo-te as questões e tira as tuas próprias conclusões. Não te esqueças, porém, de o fazer sob o "véu da ignorância" como sugere John Rawls, isto é, independentemente de seres amigalhaço do Cristiano Ronaldo ou teres nascido com uma doença crónica incurável!

quinta-feira, 9 de abril de 2020

. O "véu da ignorância"



. "Posição original": o que é e quais suas as vantagens?



A "posição original" é uma situação hipotética em que somos convidados a esquecer o estatuto que temos na sociedade em que vivemos para melhor decidirmos sobre os princípios que deverão governar uma sociedade justa. Dito de outro modo, Rawls, que é um contratualista, propõe que antes de discutirmos e definirmos os princípios de um sociedade considerada justa, nos sentemos a uma mesma mesa sob aquilo que chama "véu da ignorância". Isto é, ignorando o nosso estatuto socioeconómico, a geração a que pertencemos, a cor da pele e o género que nos coube, as capacidades naturais que tivemos a sorte de herdar, as circunstâncias específicas - socias, económicas e políticas - da nossa sociedade, a nossa conceção de bem... Só assim, segundo Rawls, seria possível celebrarmos um contrato verdadeiramente justo: imparcial e equitativo.
Uma vez na posição original, continua Rawls, todos desejaríamos o mesmo: uma sociedade onde a justiça e a igualdade sejam efetivamente estruturantes. Por igualdade deve entender-se liberdade igual e igualdade de oportunidades, não totalitarismo igualitário como nas ditaduras comunistas, uma vez que há desigualdades desejáveis - as que geram maiores benefício para os menos favorecido -. 
E por que razão desejaríamos todos o mesmo? A resposta é simples: porque todos preferíriamos um mundo equilibrado a outro em que nos coubesse a má sorte de ficar do lado dos desfavorecidos. É a chamada solução maximin, isto é, uma solução que assegura a maximização do mínimo. Ou seja, na possibilidade de ficarmos com pouco e outros com muito, todos preferiríamos possibilidades intermédias - o mínimo mais alto possível -.
Como já terás verificado, a solução maximin é contrária ao utilitarismo, que já estudaste, segundo o qual o bem de alguns poderá ser sacrificado se isso trouxer um bem maior para o maior número de pessoas possível. Daí a importância, além dos princípios da liberdade igual e das oportunidades iguais, do princípio da diferença. Todos enunciados e explicados em publicações anteriores.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

. John Rawls segundo Michael Sandel


. John Rawls e a teoria da justiça social


John Ralws é um filósofo norte americano, falecido em 2004, cuja teoria sobre o Estado assenta no conceito de Justiça Social, como o corpo na coluna vertebral. Em termos gerais, opõe-se ao utilitarismo no domínio da política. Isto é, considera que não há bem estar comum que justifique o sacrifício das liberdades fundamentais. Condenando tanto o liberalismo selvagem, que sacrifica os menos favorecidos em nome da eficácia económica, como o socialismo autoritário, que sacrifica os mais favorecidos em nome de uma igualdade artificial. Tentou, por isso, conciliar a ideia de liberdade com a de igualdade, sem prejuízo de nenhuma, assim como defendeu que os direitos das pessoas derivam dos princípios de uma sociedade justa: o princípio da igualdade de oportunidades, princípio da liberdade igual e princípio da diferença.

Igualdade de oportunidades: trata-se de um princípio básico de justiça social segundo o qual o acesso às posições sociais mais valorizadas deve estar garantido a todos independentemente das condições económicas de cada um. Dito de outro modo: quem não tem recursos económicos suficientes deve ser apoiado pelo Estado, de modo a que o seu sucesso dependa única e exclusivamente do seu empenho pessoal e não de quaiquer critérios menos evidentes. Numa palavra, o mérito deve ser o critério.

Liberdade Igual: cada pessoa deve ter o máximo de liberdade (civil) que seja compatível com igual grau de liberdade para todos os outros. Isto quer dizer que não haverá sociedade justa se as liberdades básicas - liberdade de expressão, de voto, à propriedade privada - não estiverem garantidas para todos de igual modo.

Princípio da diferença: segundo este princípio, aqueles que foram brindados com um talento natural que os tornou ricos devem auxiliar os que a natureza não brindou. Nesse sentido, a riqueza deve ser distribuída de forma igualitária, com exceção para os casos em que as desigualdades beneficiem os menos favorecidos (exemplo do médico). No que diz respeito à propriedade, o Estado deve implementar medidas de modo a fazer pagar mais a quem tem mais (exemplo dos impostos).

Em conjunto, constituem os três princípios que qualquer sujeito racional adotaria antes de saber a sua posição social e a parte das faculdades naturais que lhe cabe. É isso que John Rawls quer dizer quando usa a expressão "tomada de decisão sob um véu de ignorância", para que a imparcialidade seja garantida.