Ao contrário de Aristóteles, para quem o Estado era a expressão direta da natureza política do ser humano, Thomas Hobbes (1588-1679) defende que o Estado é uma construção, isto é, uma instituição artificial que se justifica a partir de dado momento da vida em sociedade. Quais as razões que levaram os homens a organizar-se politicamente, é o que veremos de seguida.
Segundo Thomas Hobbes, o ser humano tem uma natureza egoísta e estaria condenado a viver em guerra permanente de todos contra todos - bellum omnium contra omnes -. Ou seja, antes da instituição do Estado Político, que vem ordenar a vida social, o homem vive num estado de natureza em que todos se julgam com direito a tudo. Uma condição caótica, portanto, de conflito generalizado e em que imperaria a lei do mais forte: o homem é o lobo do homem - homo homini lupus -.
Com a complexificação da vida social e sem quaisquer garantias de paz e segurança, os seres humanos viram-se então na necessidade de celebrar um contrato cujos termos garantissem a estabilidade desejada. A esse contrato deu-se o nome de contrato social. Um contrato celebrado pelos cidadãos entre si em que cada um se compromete a renunciar aos seus direitos, que são transferidos de forma incondicional e irrevogável para as mãos do soberano. O soberano - um homem ou um conjunto de homens -, por sua vez, tratará de garantir o direito à vida constantemente ameaçado no estado de natureza. Dito de outro modo: confrontados com a instabilidade generalizada, os seres humanos, agora convertidos em cidadãos, transferem os seus direitos para as mãos de um soberano que sem quaisquer outros limites se encarrega de garantir a paz e a segurança desejadas. Um pau de dois bicos, portanto.
Por um lado, o direito à vida fica salvaguardado, essa é a única obrigação do soberano. Por outro, exatamente por não estar obrigado a mais nada, isto é, por ter poderes absolutos, o soberano está acima da lei, que impõe sem qualquer contestação possível. Daí que o soberano seja apelidado de Leviatã, o mostro marinho da mitologia, e o seu corpo seja alimentado pela acumulação dos cidadãos anónimos que assim são devorados pela terrível criatura. Ou seja, a preocupação com a segurança, talvez excessiva, deixa os cidadãos completamente à mercê do soberano, que legisla e executa as leis sem que tenha de dar qualquer justificação.
Embora te pareça distante no tempo e improvável no estado a que chegaram as democracias atuais, a verdade é que continua a ser importante estudar a proposta de Thomas Hobbes. Desde logo porque ainda existem estados totalitários, como acontece com a Coreia do Norte, onde sob o mesmo pretexto da segurança os cidadãos se vêm convertidos em elementos de uma mesma massa uniforme sem acesso a alguns dos direitos fundamentais: a liberdade de pensamento e expressão, o direito à diferença, à indignação... Depois, porque mesmo em democracia, em relação à qual ninguém te pediu opinião - o contrato social está implícito, tácito, quando nasces já fazes parte do sistema -, existem perigos semelhantes: é verdade que as liberdades fundamentais estão garantidas, pelo menos teoricamente, mas não é menos verdade que há sempre interesses instalados empenhados em manipular-te e levar-te a pensar de um modo que proteja esses mesmos interesses. Chomsky, um filósofo particularmente atento ao modo como o mundo está organizado, uma vez confrontado com a letra de Redemption Song de Bob Marley, que ouviste nas aulas e poderás reapreciar de seguida na versão de Matisyahu, é bastante claro em relação a isso mesmo: Eu devia conhecer essa canção. Quando as pessoas quiseram tanta liberdade que deixaram de poder ser escravizadas, assassinadas ou reprimidas, desenvolveram-se naturalmente novas formas de controlo, para tentar impor formas de escravidão mental, a fim de que aceitassem um enquadramento de doutrinação e não questionassem o que quer que fosse. Quando se consegue que as pessoas não percebam e deixem de questionar doutrinas tão cruciais, elas estão escravizadas. Irão seguir ordens como se estivessem diante de uma arma apontada.
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