quarta-feira, 27 de novembro de 2013

. Ações e acontecimentos


Depois de teres compreendido a utilidade e o método da Filosofia, é chegada a altura de colocares questões específicas de algumas das áreas da investigação filosófica que também aprendeste a identificar. A questão que começaremos por colocar é "o que é uma ação?, o que nos remete, como já sabes, para o domínio da Metafísica.
Uma forma recorrente de resolver a questão da ação consiste em perguntar se tudo aquilo que fazemos é uma ação. Se, por exemplo, quando respiramos, algo que não pudemos evitar, ou quando titiramos de frio, algo que nos acontece sem darmos por isso,  e  em todos os outros actos de que não temos consciência, continuamos a realizar uma ação. A resposta é simples: não, nesses casos não estamos a realizar uma ação.
Para que realizemos uma ação são necessárias, pelo menos, duas condições. Em primeiro lugar, temos que ter consciência do que estamos a fazer, isto é, temos que nos aperceber do que estamos a fazer. Depois, é necessário que esse ato seja voluntário, isto é, que seja a expressão da nossa vontade.
Ter consciência do que nos está a contecer não é, de facto, uma condição suficiente para que possamos falar de uma ação. E isto por uma simples razão: porque não podemos evitar que assim seja, porque é inevitável, como no caso da respiração. Ou seja, respirar, como todas as outras funções e necessidades biológicas - o batimento cardíaco, o impulso da fome, o impulso sexual... - põem-nos de acordo com as leis da natureza que regem a vida de todos os outros seres vivos e do planeta em geral, é algo que não podemos deixar de fazer ou experimentar. Dito de outro modo, a nossa dimensão biológica sujeita-nos à necessidade natural, segundo a qual tudo o que acontece na natureza se dá inevitável e repetidamente: os gnus atravessam todos os anos o mesmo rio, onde morre grande percentagem da manda, é assim, não há nada a fazer, estão programados biologicamente para isso mesmo, têm que ir em busca de alimento, custe o que custar. Tal como a terra gira necessariamente em torno do seu eixo e nós, seres humanos, não podemos deixar de respirar nem de sentir fome quando não ingerimos alimentos.
Se deixarmos de respirar porque essa é a nossa intenção, como acontece quando nadamos debaixo de água, ou se deixarmos de comer porque queremos fazer greve de fome, como acontece com alguns ativistas, aí sim, estamos a realizar uma ação. Uma vez que estamos perante atos que dependem da nossa vontade, isto é, a que não estamos obrigados e que queremos realmente fazer. Como quando levantamos o braço por tempo indeterminado - ação - até que já não resistimos e o deixamos cair por força da gravidade - acontecimento -.
Sem que estas duas condições estejam reunidas - consciência e intenção -  jamais poderemos falar em ação. Podemos falar em acontecimento, movimento, funcionamento orgânico... mas nunca em ação humana. Dito de outro modo, não há lugar para qualquer ação sem que se trate de um ato voluntário e consciente de um agente. Daí que, para concluir, não baste ser humano para estarmos perante um verdadeiro agente, como acontece no caso dos inimputáveis. Isto é, pessoas que não podem ser responsabilizadas pelo que fazem. Ora porque não têm consciência disso, é o caso dos sonâmbulos e dos doentes mentais mais profundos, ou porque não têm domínio sobre a sua vontade, no caso das crianças. 
Em relação aos processos mentais envolvidos no fenómeno da ação, mais complexo do que pode parecer, falaremos numa das publicações seguintes. 



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