segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

. Ética 1: como agir corretamente?



É difícil escrever o que quer que seja após uma aula tão clara como aquela a que acabas de assistir. Ainda assim, uma vez que temos que prosseguir com as nossas, isolemos algumas ideias:
1. Ainda que a atitude distante e reflexiva do filósofo rompa com a atitude do homem vulgar, submerso nos problemas do dia a dia que convém resolver a cada momento, a Filosofia acaba por nos aproximar da vida, uma vez que é ela o verdadeiro motivo da reflexão.
2. Viver é estar obrigado a tomar decisões. É isso, aliás, que nos distingue dos animais. As leoas caçam sempre o mesmo e da mesma maneira para alimentar as suas crias, é assim, não há nada a fazer, é a sua natureza. Nós, seres humanos, podemos decidir entre caçar e não caçar. O mesmo em relação ao modo como nos alimentamos, podemos comer moderadamente ou de modo irracional, de tudo ou tornarmo-nos vegetarianos. Há até quem faça greve de fome em nome de valores que consideram fundamentais.
3. Decidir pode ser uma tarefa difícil e às vezes até pode tornar-se trágico. Sobretudo quando somos confrontados com um dilema em que ficamos sem saber como fundamentar a nossa decisão.
4. Em termos gerais há duas maneiras de fundamentar as nossas decisões, que às vezes entram em conflito. Podemos fundamentar as nossas decisões em princípios pré-estabelecidos, numa ideia de dever que inspira as nossas decisões independentemente dos seus resultados. Mas também podemos decidir em função das consequências que prevemos seguirem-se à nossa ação.
5. Às teorias que defendem que devemos agir bem independentemente das consequências da nossa ação, isto é, que agir bem é seguir aquilo que é considerado uma intenção boa, atribui-se o nome de éticas deontológicas ou intencionalistas. Àquelas que defendem que as nossas ações devem resultar de um cálculo que dá mais importâncias às consequências do que a uma qualquer noção apriori de dever, dá-se o nome de éticas consequencialistas.
6. Os melhores exemplos de uma ética deontológica ou intencionalista são o cristianismo e a moral de Kant, um filósofo que já conheces. O cristianismo porque se traduz numa série de mandamentos que os cristãos deverão pôr em prática. Kant, embora isso não se traduza numa tábua de prescrições, porque está convencido de que nós, seres humanos, devemos cumprir incondicionalmente o nosse dever, o mesmo é dizer agir segundo uma vontade boa independentemente das circunstâncias. Como é que isso se processa é o que veremos nas próximas aulas.
7. Os melhores exemplos de uma ética consequencialista são as propostas de Jeremy Bentham e Stuar Mill, ambos convencidos de que devemos avaliar cada situação em função da sua especificidade, calculando as consequências da nossa ação, independentemente de qualquer mandamento ou receita previamente traçados cujo formalismo poderá impedir-nos de agir.

. Bem e mal: os valores éticos


Como agir perante tamanha diversidade de opiniões? Como posso saber se a minha ação foi correta? O que é que devo fazer? E que quero dizer com isso? O que é o dever? Em que se baseia? Eis algumas questões que por certo já colocaste e que têm inquietado os filósofos ao longo dos séculos. 
Não é fácil responder a estas questões. São várias as razões que nos fazem hesitar, umas vezes parece-nos correto agir num sentido, outras julgamos preferível não o fazer. Nem sempre sabemos qual o melhor critério para estabelecer as fronteiras entre o bem e o mal. A disciplina em que se colocam estas questões chama-se Ética, e é isso mesmo que estudaremos de seguida. 

. O valor da felicidade: 7 bilhões de Outros

. O relativismo cultural: apresentação e críticas



Para os defensores do relativismo cultural, os valores não são nem uma questão de opinião pessoal, como defendiam os subjetivistas, nem resultam de uma constatação factual ao alcance de todos os seres humanos por igual, tal como defendiam os objetivistas. Para os defensores desta teoria, os valores correspondem ao modo como cada cultura, em épocas distintas, sugere que avaliemos os nossos atos e as situações em que nos vemos envolvidos. Ou seja, para os relativistas culturais os valores são princípios e normas de conduta que variam de cultura para cultura, sendo que cada uma está sujeita aos respetivos ritmos - aquilo que hoje é considerado correto pode no futuro deixar de o ser -. Isto significa que os juízos morais verdadeiros são aqueles que cada cultura considerar verdadeiros. Tomemos como exemplo o seguinte juízo: "A homossexualidade é uma aberração". Trata-se de um juízo verdadeiro no Irão, por exemplo, onde os homossexuais são condenados à morte, mas falso na maioria dos países onde a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma referência fundamental.
Embora esteja de acordo com aquilo que os Antropólogos reconhecem, a saber, que pessoas de diferentes sociedades têm costumes diferentes e diferentes ideias acerca do bem e do mal, assim como de tantos os outros valores, e que essas diferenças devem ser respeitadas em nome da diversidade cultural, a verdade é que o relativismo tem as suas limitações:
1. O relativismo exclui a hipótese de qualquer entendiemnto objetivo em relação ao que devemos considerar correto e incorreto. Uma ação correta é aquela que a maioria de uma determinada sociedade considerar correto.
2. Em nome do respeito pela diferença e da reprovação da ideia de ingerência - não devemos julgar o que passa nas outras culturas porque os nossos valores são diferentes -, o relativismo acaba por tolerar verdadeiras barbáries.
3. Os relativistas são vagos em relação ao que devemos entender por sociedade. Numa sociedade globalizada, em que indivíduos de culturas diferentes se cruzam a cada momento, é difícil, para não dizer impossível, determinar o que cada um deve ou não fazer.

4. Os relativistas são inconsistentes, uma vez que defendem que todos os juízos morais são relativos, ao mesmo tempo que querem que acreditemos que a própria teoria relativista é absolutamente verdadeira.

. O objetivismo moral: apresentação e críticas


Tal como os subjetivistas, os objetivistas defendem que os juízos de valor têm valor de verdade, isto é, podem ser verdadeiros ou falsos. No entanto, ao contrário daqueles, entendem que a verdade e a falsidade não dependem nem de pontos de vista individuais nem de acordos coletivos, mas das condições objetivas a que os juízos se referem. Ou seja, quando afirmo "A pena de morte é cruel e desumana" faço-o porque se trata de uma pena objetivamente cruel e desumana, e não porque essa é a minha convicção ou o que a cultura em que estou inserido considera imoral. Trata-se de uma proposição verdadeira independentemente do que outros poderão pensar, objetivamente verdadeira, assim como a sua contrária - "A pena de morte não é cruel e desumana" - será um juízo objetivamente falso.
Embora resolva alguns problemas do subjetivismo, nomeadamente a ausência de consenso, a verdade é que o objetivismo deixa algumas questões em aberto. Desde logo, porque não permite reconhecer que factos e valores são coisas distintas: os que se opõem ao objetivismo defendem que nenhuma descrição factual conduz imediatamente a um juízo de valor, serão sempre necessários argumentos adicionais - não podemos determinar o que devemos fazer a partir de uma descrição científica do mundo -. Depois, porque sugere que existe uma natureza humana, isto é, que todos reconhecemos de igual modo aquilo que é correto e incorreto, independentemente das circunstâncias  e da cultura a que pertencemos. Uma ideia que não só não se verifica na prática, de acordo com o relativismo cultural que estudaremos de seguida, como acaba por negar a responsabilidade que cada um de nós tem, tal como defende Sartre que já conheces: cada um tem de escolher por si próprio os seus valores, uma vez que não existem respostas simples para as questões éticas.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

. O subjetivismo moral: apresentação e críticas


Para os subjetivistas os juízos de valor podem ser verdadeiros ou falsos. O seu valor de verdade, no entanto, não resulta da correspondência objetiva entre o que afirmo e aquilo a que a minha afirmação se refere, como nos juízos de facto, mas daquilo que eu considero ser verdadeiro. Ou seja, para o subjetivista não há valores absolutos, iguais para todos, mas relativos, dependendo das minhas crenças e convicções. O mesmo é dizer que aquilo que é verdade para mim não é necessariamente verdade para ti. Isto significa que quando um subjetivista afirma "X é bom" está a dizer "Gosto de X", e quando afirma "Gosto de X" está a dizer que a afirmação "X é um bem" é verdadeira para si. Em última análise, o subjetivista considera verdadeiro aquilo que julga ser o melhor e prefere, independentemente do que outros poderão pensar em relação ao mesmo assunto. Os valores, portanto, são os princípios em que acredita e que desejaria ver postos em prática.
Não há dúvida que o subjetivismo tem vantagens, sobretudo se pensarmos que os subjetivistas sabem o que querem e que pensam pela sua própria cabeça. De facto, a maioria nem sempre é o melhor critério. Às vezes é necessário pensar contra a corrente, como fizeram muitos ativistas por esse mundo fora em nome de princípios hoje considerados fundamentais. Nelson Mandela, Ghandi, Sakharov, e tantos outros, são um bom exemplo disso mesmo: nem sempre o que está cultural e socialmente estabelecido como bem deverá ser considerado um bem. Por outro lado, uma vez levado às últimas consequências, o subjetivismo não pode deixar de ser alvo de algumas críticas. Desde logo porque é necessário algum entendimento, sobretudo no que diz respeito às questões fundamentais. Não é desejável que deixemos questões como a eutanásia, por exemplo, ao sabor dos caprichos e convicções de cada um. Depois, de acordo com o princípio geral do subjetivismo - cada um tem a sua verdade -, porque fazer depender a verdade daquilo que gostamos se torna potencialmente muito perigoso. Imagina, por exemplo, que eu gostava de reprovar alunos. Poderei eu, em circunstância alguma, considerar isso um bem? E se eu gostasse, por razões que a consciência desconhece, de fazer mal às pessoas?
Por estas razões, são poucos os filósofos que defendem o subjetivismo moral. Entre os que manifestam essa tendência, alguns preferem adotar o emotivismo. Uma teoria segundo a qual quando afirmo "X é um bem" não estou a dizer "Gosto de X", como fazem os subjetivistas, mas apenas "Viva X", "Apoio X". Uma teoria, portanto, segundo a qual os juízos morais, longe de poderem ser considerados verdadeiros ou falso, não passam de exclamações emocionais. Uma pequena subtileza que, ainda assim, não isenta o emotivismo, também ele, de algumas críticas. Entre elas está o facto de que o emotivismo, se fosse verdadeiro, inviabilizaria qualquer discussão moral, uma vez que não passa da expressão das nossas emoções: "Abaixo!", "Viva!"...



. Juízos de facto e juízos de valor


Diz-se que emitimos um juízo quando atribuímos um predicado a um sujeito. Por exemplo, quando atribuo o predicado "ser solteiro" ao João, o sujeito do seguinte juízo: "O João é solteiro". Ou quando digo "O joão é generoso", um juízo com o mesmo sujeito a quem agora é atribuído o predicado "ser generoso".
Quando o juízo consiste em fazer uma descrição, a que a realidade se adequa ou não, dizemos que estamos perante um juízo de facto. Como no primeiro caso, uma vez que posso verificar se o João é de facto solteiro. Trata-se, portanto, de um juízo objetivo, neutro e imparcial, que se limita a fazer uma afirmação que corresponde ou não à realidade. Daí que também se diga que os juízos de facto têm valor de verdade, isto é, são verdadeiros ou falso, assim sejam ou não confirmados.
Quando, por sua vez, fazemos uma afirmação que implica uma avaliação, como acontece no segundo caso, diz-se que estamos perante um juízo de valor. Uma vez que neste caso nem todos considerarão o João uma pessoa generosa. Trata-se de uma consideração parcial e cujo rigor dependerá sempre do que considerarmos ser generoso - será que podemos considerar o João generoso se ele for multimilionário e se limitar a ajudar os elementos da sua família? -. Não podendo, portanto, ser considerado verdadeiro ou falso sem alguma discussão. Dependerá sempre da pessoa que faz a afirmação,  daí ser subjetivo, das circunstâncias em que a faz, assim como do modo como concebemos os próprios valores: princípios pessoais - o João é generoso porque a sua conduta corresponde à minha ideia de generosidade -, propriedades das coisas - o João é objetivamente generoso, independentemente do que pensarmos acerca dele -, ou princípios culturais e relativos - o João é considerado generoso na cultura x e não na cultura y -. As consequências que derivam de cada uma destas três posições, é o que analisaremos de seguida.

. Os valores e a sua relação com a ação


Os valores são princípios gerais que nos permitem classificar positiva ou negativamente pessoas, atos, situações e objetos com que nos deparamos ao longo da nossa vida. São, portanto, as ideias que nos permitem interpretar a realidade e definir os nossos comportamentos em função daquilo a que damos importância. A sua relação com a ação é tão simples quão fundamental, uma vez que são eles que nos orientam sempre que se trata de tomar uma decisão. Dito de outro modo: os valores funcionam como referências ou critérios em função dos quais julgamos e decidimos. São eles, por exemplo, que me permitem identificar uma situação injusta para que de seguida decida, ou não, lutar contra essa injustiça. Numa palavra, são os faróis da ação, indicando os caminhos a seguir e a evitar.
Do que fica dito resultam necessariamente algumas conclusões. Em primeiro lugar, fica estabelecido que todos os valores têm dois pólos: a justiça, para permanecer no mesmo exemplo, é compreendida em função do que consideramos ser uma injustiça, do mesmo modo que a beleza é avaliada em função do que consideramos ser horrível. Em segundo lugar, dando conta da multiplicidade de áreas em que a vida e a realidade se apresentam, devemos concluir pela existência de diferentes tipos de valores. A saber, os valores éticos, que me permitem disitnguir uma ação correta de uma ação incorreta; os valores estéticos, que me permitem, por exemplo, distinguir o que é belo do que não é belo; os valores religiosos, como é o caso da ideia de sagrado; os valores políticos, como a justiça e a liberdade; os económicos, como o liberalismo responsável pela crise em que vivemos... Por último, devemos concluir que os valores são hierarquizáveis. Isto é, há valores mais importantes do que outros, pelo menos que consideramos mais importantes: se, por exemplo, denunciar um amigo que traiu a sua namorada, correndo o risco de perder esse amigo, poderá significar que dou mais importância ao valor da verdade do que ao valor da amizade. A não ser que eu próprio esteja apaixonado por ela e nesse caso seja movido por outros valores. 
Se os valores são universais ou, pelo contrário, variam de pessoa para pessoa e de sociedade para sociedade, é uma questão que analisaremos numa das próximas publicações. Depois de estabelecermos a distinção entre juízos de valor e juízos de facto, o que faremos já de seguida.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

. Liberdade e responsabilidade: o exemplo de Sartre


Para lá da discussão teórica entre compatibilistas e incompatibilistas, que nos fazem tender ora para o partido da liberdade ora para o do determinismo que nos desresponsabiliza em relação aos nossos atos, está a necessidade prática de tomarmos decisões no dia a dia. Essa, de acordo com Jean Paul Sartre, um filósofo francês de que ouvirás falar nas aulas, é efetivamente a única coisa a que estamos obrigados. Temos de tomar decisões todos os dias e em relação a isso não há nada a fazer, ninguém poderá fazê-lo por nós. Serão sempre as nossas decisões.
Afirmar que as decisões são sempre nossas não significa, no entanto, que as tomemos sozinhos. Em primeiro lugar, porque somos sempre influenciados, consciente ou inconscientemente, por aqueles com quem vivemos. Depois, porque as nossas decisões correm o risco de ser tomadas como exemplo a seguir pelos outros. É assim, é a natureza da vida social, aprendemos uns com os outros. Daí que, mais uma vez com Jean Paul Sartre, liberdade e responsabilidade devam ser vistas como uma e a mesma coisa: decidir é decidir por todos.

. Michio Kazu e o livre-arbítrio

. O problema do livre-arbítrio segundo Peter van Inwagen

. Determinismo moderado


Para o determinismo moderado não há incompatibilidade entre livre-arbítrio e determinismo, as nossas ações são simultaneamente livres e determinadas. 
Para os defensores do determinismo moderado, ao contrário dos libertistas, dizer que uma ação livre não significa afirmar que essa ação não é causada. A ação livre também surge no seguimento de uma ou várias causas. Essas causas, porém, não são causas externas que não controlamos, mas causas internas, como os meus desejos e crenças, que obviamante posso controlar - uma coisa é faltar à escola porque o autocarro não passou a horas, outra é fazê-lo porque sou preguiçoso e não me interesso pelo sucesso escolar -. Isto quer dizer, agora ao contrário dos deterministas radicais, que posso ser responsabilizado pelas minhas ações, uma vez que a sua causa sou eu próprio, a minha personalidade, que é moldada em virtude das experiências que vou tendo, é certo, mas em momento nenhum a sua consequência direta e inevitável: o facto de viver rodeado de gente sem escrúpulos e responsabilidade social não faz de mim um ser igual e necessariamente irresponsável.
Embora resolva alguns dos problemas deixados em aberto pelas teorias incompatibilistas, a verdade é que também o determinismo moderado poderá ser criticado. A mais importante das críticas de que é alvo tem a ver com o facto de não distinguir claramente as ações livres das ações não livres. Por exemplo: obedeço à lei porque ela é igual para todos e não posso fazer nada em relação a isso - causa externa - , embora não seja menos verdade que lhe obedeço porque acredito nela e porque estou convencido que isso é o melhor para mim - causas internas -. 

. O libertismo


Os libertistas entendem que as nossas ações se devem às deliberações que fazemos sempre que se trata de decidir, e nunca a condições anteriores que como numa cadeia as tornam necessárias ou inevitáveis. Ou seja, para o libertismo nunca poderemos encarar as ações da mesma forma que encaramos os fenómenos naturais, uma vez que nada me obriga a fazer o que faço. Trata-se, portanto, de uma teoria que exclui completamente a ideia de determinismo do universo da ação humana. Por exemplo: é verdade que fui indelicado com o meu amigo porque o teste de Matemática me correu mal e precisava de expressar a minha frustação, mas não é menos verdade que agi assim porque quis, que nada me obrigava a descarregar no meu amigo, que fui eu quem decidiu livremente agir desse modo... podia ter ido jogar futebol, nadar ou desanuviar de qualquer outra maneira.
Por muito apelativo que pareça, o libertismo não está isento de críticas. A maior de todas está relacionada com aquilo que devemos entender por "eu". O que é queremos dizer quando afirmamos "fui eu que decidi" ou "a minha ação foi causada por mim"? De que entidade estamos a falar? De uma entidade física? De uma entidade não física? Se se trata de uma entidade física, então está sujeita às leis da natureza que regulam todos os fenómenos físicos, algo que os libertistas rejeitam. Se se trata de uma entidade não física, como explicar então que as nossas decisões tenham consequências físicas, num dado momento e lugar? Dito de outro modo: como é que uma realidade mental pode gerar consequências físicas sem a intervenção de uma realidade física como, por exemplo, o cérebro? Será que podemos distinguir mente e cérebro? Melhor: se defender que as minhas ações não são causadas por nada, nem mesmo pelos os meus estados internos - crenças, desejos, sentimentos... -, não terei que reconhecer que libertismo e indeterminismo - teoria segundo a qual as nossas ações são fruto do acaso - são uma e a mesma coisa?

. Determinismo radical


De uma forma abreviada, o determinismo radical defende que não há ações livres. Segundo esta teoria, as nossas ações, à semelhança de todos os fenómenos naturais, surgem como consequência inevitável de causas externas que escapam ao nosso controlo. O mesmo é dizer que fazemos o que fazemos porque não existe alternativa, trata-se do resultado de uma série de condições anteriores que tornam a nossa ação um fenómeno necessário. O resultado, por exemplo, das nossas predisposições genéticas e da nossa educação, em relação às quais nada haveria a fazer. 
Trata-se de uma teoria perigosa, tal como pudeste constatar na análise do caso dos jovens Leopol e Loeb, uma vez que não permite responsabilizar ninguém pelos atos que realiza. As ações são encaradas como consequência necessária das condições que as antecedem e os agentes como vítimas dessas mesmas condições. Como se estivéssemos programados para fazer o que fazemos, simples marionetas determinadas pelo passado e pelas circunstâncias - sociais, políticas, económicas... - em que fatalmente nos encontramos. Deixando por explicar, portanto, sentimentos como a culpa e o arrependimento, da mesma forma que nos descompromete com a ideia de responsabilidade social segundo a qual devemos pensar nas consequências antes de agir.

. Liberdade e determinismo na ação: o problema do livre-arbítrio


Depois de termos analisado a complexidade da ação, os momentos que a compõem e os fatores nela intervenientes, é altura de perguntarmos se as nossas ações são realmente livres ou, pelo contrário, são determinadas por fatores que escapam à nossa vontade. Fazer esta pergunta significa colocar o problema do livre-arbítrio: será que somos livres ou a liberdade não passa de uma ilusão? Dito de outra maneira: as nossas ações são o resultado da nossa vontade livre ou determinadas?
Comecemos por esclarecer o que significam o livre-arbítrio e o determinismo. Por livre-arbítrio, ou liberdade, entende-se a capacidade de iniciar uma série de acontecimentos, que resultam da nossa decisão, sem que a isso estivéssemos obrigados. O mesmo é dizer a capacidade de fazer qualquer coisa que poderíamos não ter feito, que podíamos ter evitado. Daí que não possamos confundir livre-arbítrio com liberdade política. O primeiro, caso concluamos pela sua existência, é constitutivo do ser humano e verifica-se independentemente das circunstâncias em que nos encontramos, é algo que ninguém nos pode retirar, faz parte de nós. A segunda, pelo contrário, pode ser-nos dada ou retirada, consoante o regime político a que estivermos sujeitos, tal como foi negada a Nelson Mandela por mais de duas décadas e a muitos portugueses durante a ditadura salazarista. O determinismo, por sua vez, defende que as nossas ações são uma consequência inevitável de uma ou várias causas que as tornam necessárias. Trata-se, portanto, de uma teoria filosófica que encara a ação humana à semelhança dos fenómenos naturais, isto é, como elementos de uma cadeia causal cujo ritmo não depende da nossa vontade.
Em relação à resposta ao problema, devemos considerar dois tipos de solução: a compatibilista e a incompatibilista. A solução compatibilista, como o próprio nome indica, considera o livre-arbítrio e o determinismo compatíveis, isto é, verdadeiros simultaneamente, princípios conjugáveis que não se anulam nem entram em contradição. A solução incompatibilista vai no sentido contrário, uma vez que considera os princípios em questão incompatíveis e reciprocamente exclusivos: se há liberdade não há determinismo, se as ações são determinadas então não há livre-arbítrio. De seguida, terás oportunidade de estudar duas teorias incompatibilistas - o determinismo radical e o libertismo - e uma compatibilista - o determinismo moderado -. Analisa-as atentamente e decide em qual delas te revês.