domingo, 8 de dezembro de 2013

. Condicionantes e determinantes


Como poderás verificar pela análise do exemplo explorado na publicação anterior, não há ação que não esteja sujeita à influência de fatores internos e externos que a condicionam. Ainda assim, por muito influentes que sejam, as condicionantes apenas representam alternativas possíveis, que podes ou não seguir. Ou seja, em última análise és tu quem decide qual o caminho a seguir. Quando assim não é, quando não tens diferentes alternativas entre as quais possas decidir e te vês obrigado a seguir um único caminho possível, diz-se que a tua ação é determinada. Dito de outro modo: quando os fatores que antecedem a tua ação a tornam necessária, isto é, obrigatória e sem alternativa possível, diz-se que esses fatores são determinantes. Tal como se passa com os fenómenos naturais e com o comportamento animal, consequências inevitáveis de uma série de causas que não deixam espaço para qualquer imprevisibilidade - sempre que se reúnem determinadas condições atmosféricas não pode deixar de chover, assim como a leoa não poderá deixar de atacar sempre que tem fome ou necessidade de alimentar as crias -.
Se há momentos em que a ação humana é determinada como se de um fenómeno natural se tratasse, isto é, se os condicionantes se revelam fatores que nos deixam de mãos atadas sem liberdade para decidir, é o que veremos de seguida quando estudarmos a diferentes teorias acerca do livre arbítrio.

sábado, 7 de dezembro de 2013

. Condicionantes da ação


Embora nos pareçam o início de uma cadeia de acontecimentos, a verdade é que as nossas ações são o resultado de uma série de fatores que as tornam possíveis, limitando-as ou facilitando-as. A esses fatores, que podem ser internos ou externos, dá-se o nome de condicionantes. 
Imagina, por exemplo, que queres ir acampar durante o fim de semana numa montanha que sempre desejaste conhecer. Imagina também que tens teste de Filosofia na semana seguinte e que a tua tenda não está nas melhores condições. Ainda assim, após conversa com os teus pais, que de momento não dispõem do dinheiro necessário para comprares uma tenda nova, decides realizar o teu plano e acabas por conhecer outros jovens que tinham tido a mesma ideia. O que é que aconteceu neste caso? Fizeste novos amigos, com quem combinaste novas aventuras no futuro, porque decidiste ir acampar como desejavas. Ou seja, a tua decisão revelou-se o início de uma amizade que promete, mas terá sido a tua decisão livre de constrangimentos? Dito de outro modo, terás decidido sobre o vazio ou será que tomaste a tua decisão em função de fatores que a antecederam e a tornaram possível? A resposta, como poderás verificar, vai no segundo sentido. Ou seja, não obstante os factores externos que não controlavas e que quase inviabilizaram o teu projeto - tinhas teste de Filosofia e os teus pais não tinham dinheiro para uma tenda nova -, decidiste ir porque internamente a tua vontade de conhecer a montanha se sobrepôs e te disciplinaste de modo a concretizar o teu desejo - pediste uma tenda emprestada e levaste os apontamentos para estudar enquanto os outros ainda dormiam -. 
A conclusão que podemos tirar deste exemplo, de acordo com o que fica dito na introdução, é que existem sempre uma série de fatores, internos ou externos, que dificultam ou facilitam as nossas decisões. Esses fatores, cujo nome é condicionantes, podem ser de diferentes tipos, a saber: biológicos, socio-culturais e psicológicos.
As condicionantes biológicas, como o próprio nome indica, estão relacionadas com as nossas características biológicas. As que herdamos e nos tornam elementos de uma mesma espécie - o nosso código genético, a nossa constituição física - e as que adquirimos em consequência da nossa história pessoal - não poder fazer o teste de Filosofia, embora tenhas estudado, porque não tiveste cuidado e partiste um braço quando praticavas escalada durante o fim de semana da montanha -.
As condicionantes socio-culturais têm a ver com o facto de vivermos em grupo e de os grupos em que vivemos estarem organizados em função da regras e princípios. Falamos, pois claro, das normas, dos valores, das tradições, dos costumes...aceites pela sociedade em que vivemos e que não devemos violar sem que corramos o risco de nos tornarmos refractários - respeitar os mais velhos, por exemplo, uma norma presente em todas as culturas, por muito diferentes que sejam noutros aspetos como verás quando estudarmos os valores -.
As condicionantes psicológicas são todos os fatores que derivam dos nossos processos e estados mentais. Isto é, os nossos sentimentos, os nossos desejos, as nossas vontades, as nossas preocupações, os nossos receios... enfim, o nosso interior não anatómico. A este respeito devemos registar que nem sempre nos apercebemos destes fatores, uma vez que grande parte dos nossos processos mentais são inconscientes, como compreenderás quando estudares Freud nas aulas de Psicologia - os traumas, por exemplo, como falámos numa das últimas aulas, que podem ser verdadeiros obstáculos em muita situações -.
E a lista podia continuar...podíamos falar em condicionantes económicas - não compraste uma tenda nova porque não era a melhor altura dado o orçamento familiar -, em condicionantes políticas - não podermos expressar livremente a nossa opinião, como aconteceu durante a ditadura salazarista e continua a acontecer noutros países na atualidade -, entre outros, consoante queiramos classificá-los de modo mais ou menos geral - as condicionantes económicas e políticas podem ser incluídas nas condicionantes socio-culturais -. De qualquer modo, para concluir, é necessário ter em conta que embora os possamos distinguir na teoria nem sempre isso acontece na prática. Como aconteceu no caso do fim de semana na montanha, em que acabaste por ser condicionado por diferentes fatores ao mesmo tempo.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

. Ação: um fenómeno complexo


Embora nos pareça um processo simples, a ação humana é um fenómeno complexo. E isto por duas razões. Em primeiro lugar, como terás oportunidade de verificar quando estudarmos Ética, porque nem sempre é fácil decidir. Às vezes chega mesmo a ser trágico, como aconteceu a Antígona, uma história que já conheces e que convém sempre recordar. Em segundo lugar, porque a decisão é apenas um momento, entre outros, que completam o fenómeno da ação. 
Antes de decidirmos, de facto, há que considerar, pelo menos, dois momentos, sem o que não se tratará de uma decisão, mas de um impulso ou mera resposta involuntária a uma qualquer tendência que não controlamos. Tudo começa quando nos apercebemos ou manifestamos uma intenção, isto é, a vontade de realizar uma ação. Frequentar um curso de mergulho, por exemplo. Mas atenção: não deves confundir intenção, a expressão da tua vontade, com o motivo, isto é, a razão pela qual desejas realizar a ação. Frequentar um curso de mergulho porque os amigos com quem vou passar as férias de verão são mergulhadores e eu não quero ficar a assar na praia enquanto eles se divertem debaixo de água, para permanecer no mesmo exemplo. Depois da intenção, vem a deliberação, o momento em que estabeleces as alternativas possíveis para que o teu projeto possa vir a concretizar-se. É o momento, ainda no mesmo exemplo, em que procuras as escolas de mergulho existentes e avalias os prós e os contras de cada uma delas: uma é mais barata, mas fica longe de casa; outra é mais perto, mas os preços são inacessíveis; na terceira os preços continuam um pouco elevados, mas sabes que o professor oferece mais garantias... enfim, preparas-te para tomar uma decisão, o momento em que eleges uma das possibilidades e afastas todas as outras que equacionaste. Tomada a decisão, passas ao momento performativo da ação, isto é, a ação torna-se efetiva, traduz-se numa prática: inscreves-te na escola e começas a frequentar as aulas.
O facto de os primeiros momentos - intenção, deliberação e decisão - consistirem em processos exclusivamente mentais, uma vez que são partes da mesma planificação (passa-se tudo na tua cabeça!), leva muitas pessoas a ignorá-los e a confundirem a ação com o seu último momento, a concretização do plano. Quando assim é, quando queimamos etapas e saltamos precipitadamente para o último momento, pode acontecer que venhamos a arrepender-nos. A prova, afinal, de que a deliberação acaba por se impôr, ainda que no momento menos conveniente: poupei dinheiro indo para a escola mais longe, mas a técnica e o estilo que aprendi são incomparavelmente piores do que as propostas pelo professor da terceira escola...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

. O caso das térmitas e de Heitor: para ler e pensar...



“Vou contar-te um caso dramático. Já ouviste falar das térmitas, essas formigas brancas que, em África, constroem formigueiros impressionantes, com vários metros de altura e duros como pedras? Uma vez que o corpo das térmitas é mole, por não ter a couraça de quitina que protege outros insectos, o formigueiro serve-lhes de carapaça colectiva contra certas formigas inimigas, mais bem armadas do que elas. Mas por vezes um dos formigueiros é derrubado, por causa de uma cheia ou de um elefante (os elefantes, que havemos nós de fazer, gostam de coçar os flancos nas termiteiras). A seguir, as térmitas-operário começam a trabalhar para reconstruir a fortaleza afectada, e fazem-no com toda a pressa. Entretanto, já as grandes formigas inimigas se lançam ao assalto. As térmitas-soldado saem em defesa da sua tribo e tentam deter as inimigas. Como nem no tamanho nem no armamento podem competir com elas, penduram-se nas assaltantes tentando travar o mais possível o seu avanço, enquanto as ferozes mandíbulas invasoras as vão despedaçando. As operárias trabalham com toda a velocidade e esforçam-se por fechar de novo a termiteira derrubada… mas fecham-na deixando de fora as pobres e heróicas térmitas-soldado, que sacrificam as suas vidas pela segurança das restantes formigas. Não merecerão estas formigas-soldado pelo menos uma medalha? Não será justo dizer que são valentes? Mudo agora de cenário, mas não de assunto. Na Ilíada, Homero conta a história de Heitor, o melhor guerreiro de Tróia, que espera a pé firme fora das muralhas da sua cidade Aquiles, o enfurecido campeão dos Aqueus, embora sabendo que Aquiles é mais forte do que ele e que vai provavelmente matá-lo. Fá-lo para cumprir o seu dever, que consiste em defender a família e os concidadãos do terrível assaltante. Ninguém dúvidas: Heitor é um herói, um homem valente como deve ser. Mas será Heitor heróico e valente da mesma maneira que as térmitas-soldado, cuja gesta milhões de vezes repetida nenhum Homero se deu ao trabalho de contar? Não faz Heitor, afinal de contas, a mesma coisa que qualquer uma das térmitas anónimas? Por que nos parece o seu valor mais autêntico e mais difícil do que o dos insectos? Qual a diferença entre um e outro caso? Muito simplesmente, a diferença assenta no facto de as térmitas-soldado lutarem e morrerem porque têm de o fazer, sem que possam evitá-lo (como a aranha come a mosca). Heitor, pelo seu lado, sai para enfrentar Aquiles porque quer. As térmitas-soldado não podem desertar, nem revoltar-se, nem fazer cera para que outras vão em seu lugar: estão programadas necessariamente pela natureza para cumprir a sua heróica missão. O caso de Heitor é distinto. Poderia dizer que está doente ou que não tem vontade de se bater com alguém mais forte do que ele. Talvez os seus concidadãos lhe chamassem cobarde e o considerassem insensível ou talvez lhe perguntassem que outro plano via ele para deter Aquiles, mas é indubitável que Heitor tem a possibilidade de se recusar a ser herói. Por muita pressão que os restantes exercessem sobre ele, ele teria sempre maneira de escapar daquilo que se supõe que deve fazer: não está programado para ser herói, nem o está seja que homem for. Daí que o seu gesto tenha mérito e que Homero nos conte a sua história com uma emoção épica. Ao contrário das térmitas, dizemos que Heitor é livre, e por isso admiramos a sua coragem.”

Fernando Savater, Ética para um Jovem (Lisboa: Dom Quixote, 2005)

. Os gnus e a trágica travessia do rio Mara

. Ações e acontecimentos


Depois de teres compreendido a utilidade e o método da Filosofia, é chegada a altura de colocares questões específicas de algumas das áreas da investigação filosófica que também aprendeste a identificar. A questão que começaremos por colocar é "o que é uma ação?, o que nos remete, como já sabes, para o domínio da Metafísica.
Uma forma recorrente de resolver a questão da ação consiste em perguntar se tudo aquilo que fazemos é uma ação. Se, por exemplo, quando respiramos, algo que não pudemos evitar, ou quando titiramos de frio, algo que nos acontece sem darmos por isso,  e  em todos os outros actos de que não temos consciência, continuamos a realizar uma ação. A resposta é simples: não, nesses casos não estamos a realizar uma ação.
Para que realizemos uma ação são necessárias, pelo menos, duas condições. Em primeiro lugar, temos que ter consciência do que estamos a fazer, isto é, temos que nos aperceber do que estamos a fazer. Depois, é necessário que esse ato seja voluntário, isto é, que seja a expressão da nossa vontade.
Ter consciência do que nos está a contecer não é, de facto, uma condição suficiente para que possamos falar de uma ação. E isto por uma simples razão: porque não podemos evitar que assim seja, porque é inevitável, como no caso da respiração. Ou seja, respirar, como todas as outras funções e necessidades biológicas - o batimento cardíaco, o impulso da fome, o impulso sexual... - põem-nos de acordo com as leis da natureza que regem a vida de todos os outros seres vivos e do planeta em geral, é algo que não podemos deixar de fazer ou experimentar. Dito de outro modo, a nossa dimensão biológica sujeita-nos à necessidade natural, segundo a qual tudo o que acontece na natureza se dá inevitável e repetidamente: os gnus atravessam todos os anos o mesmo rio, onde morre grande percentagem da manda, é assim, não há nada a fazer, estão programados biologicamente para isso mesmo, têm que ir em busca de alimento, custe o que custar. Tal como a terra gira necessariamente em torno do seu eixo e nós, seres humanos, não podemos deixar de respirar nem de sentir fome quando não ingerimos alimentos.
Se deixarmos de respirar porque essa é a nossa intenção, como acontece quando nadamos debaixo de água, ou se deixarmos de comer porque queremos fazer greve de fome, como acontece com alguns ativistas, aí sim, estamos a realizar uma ação. Uma vez que estamos perante atos que dependem da nossa vontade, isto é, a que não estamos obrigados e que queremos realmente fazer. Como quando levantamos o braço por tempo indeterminado - ação - até que já não resistimos e o deixamos cair por força da gravidade - acontecimento -.
Sem que estas duas condições estejam reunidas - consciência e intenção -  jamais poderemos falar em ação. Podemos falar em acontecimento, movimento, funcionamento orgânico... mas nunca em ação humana. Dito de outro modo, não há lugar para qualquer ação sem que se trate de um ato voluntário e consciente de um agente. Daí que, para concluir, não baste ser humano para estarmos perante um verdadeiro agente, como acontece no caso dos inimputáveis. Isto é, pessoas que não podem ser responsabilizadas pelo que fazem. Ora porque não têm consciência disso, é o caso dos sonâmbulos e dos doentes mentais mais profundos, ou porque não têm domínio sobre a sua vontade, no caso das crianças. 
Em relação aos processos mentais envolvidos no fenómeno da ação, mais complexo do que pode parecer, falaremos numa das publicações seguintes. 



terça-feira, 12 de novembro de 2013

. Noções básicas de argumentação: argumentos dedutivos válidos


Um argumento dedutivo válido é um argumento em que a conclusão decorre necessariamente das premissas, não pode deixar de ser assim, sejam as premissas verdadeiras ou não. Como no exemplo que segue:
Todos os portugueses são mentirosos.
O Miguel é português.
Logo, o Miguel é mentiroso.
Ou seja, a conclusão é extraída corretamente das premissas independentemente do seu conteúdo. Trata-se de uma relação formal, seja qual for o conteúdo das proposições. Como que de uma cadeia, neste caso de sentido, se tratasse: Se A implica B e se B implica C, então A implica C. Independentemente do que as letras representam, pessoas ou sereias, que obviamente não existem.
Ainda assim, sempre que as premissas forem verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira. Como no exemplo que se segue:
Todos os lisboetas vivem em Portugal.
O joão vive em Lisboa.
Logo, o João vive em Portugal.
Ou seja, não pode acontecer que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa: um argumento dedutivo válido com as premissas verdadeiras garante a verdade da sua conclusão.
A disciplina em que se estuda este e outros tipos de argumentos chama-se Lógica. Uma disciplina que estabelece as regras do raciocínio válido e, em última análise, nos ajuda a disciplinar o pensamento. De modo a sermos coerentes - o nosso discurso faz sentido - e consequentes - as nossas convicções são a conclusão de um raciocínio válido prévio -.

. Noções básicas de argumentação: o que é um argumento?


Chama-se argumentação a um encadeamento de argumentos. Mas o que é um argumento? Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende justificar ou defender uma delas, a conclusão, com base na outra ou nas outras, que se chamam premissas. Um argumento tanto pode ter uma premissa, como várias. Contudo, só pode ter uma conclusão.
Vejamos dois exemplos de argumentos muito simples:
1) O Sebastião foi ao teatro porque se tivesse ido à praia teria levado a toalha.
2) Só as intenções determinam o valor moral da ação. Logo, as consequências dos nossos atos são moralmente irrelevantes.
Tanto num caso como no outro, trata-se de argumentos muito curtos. Mas são argumentos porque em ambos os casos se defende uma proposição com base noutra. No primeiro caso, a conclusão é a proposição que está antes da palavra "porque"; e a premissa é a proposição que está depois. No segundo, a conclusão é a proposição que está depois da palavra "logo"; e a premissa é a proposição que está antes. 

. A atitude e o método em Filosofia


Em relação à atitude filosófica já foi dito quase tudo nas publicações anteriores a propósito do exemplo de Sócrates. Trata-se de uma atitude de interrogação permanente, daí ser radical, àcerca de questões universais, isto é, que dizem respeito a todos os indivíduos. É necessário, no entanto, não ser demasiado radical. Embora se pretenda combater a ignorância e a ingenuidade, geralmente associadas, não se pretende cair no ceticismo radical - teoria segundo a qual podemos duvidar de tudo -. É preciso examinar as nossas convicções, pois claro, evitando que se transformem em dogmas - verdades absolutas que nunca chegam a ser questionadas -, mas a dúvida terá de ser razoável. Não posso, por exemplo, sem algum exagero, duvidar que estou aqui e agora a escrever este texto. A dúvida não é uma arma de destruição, não se trata de desacreditar aquilo que julgamos ser verdade, mas de consolidação, na medida em que nos permite evitar a precipitação e arranjar boas razões para acreditar naquilo em que acreditamos. Ou seja, trata-se de exercitar o espírito crítico, isto é, a capacidade de avaliarmos a justeza das nossas convicções, de modo a nos tornarmos seres autónomos, isto é, que ousam pensar por si próprios e que não ficam sem saber que fazer caso venha a provar-se que estavam enganados.
Em relação ao método, de um modo geral, podemos dizer que os filósofos desenvolvem argumentos para defender teorias que tentam, por sua vez, responder a determinados problemas. Num primeiro momento colocam um problema, geralmente em forma de disjunção, isto é, em que nos são dadas duas alternativas contrárias, por exemplo, "deus existe ou deus não existe?". Depois definem a posição que pretendem defender, isto é, enunciam a tese, que mais tarde poderá transformar-se numa teoria, por exemplo, "deus existe". Por fim, passam à defesa propriamente dita, isto é, tentam arranjar argumentos para acreditarmos na sua tese, por exemplo, "Ninguém provou ainda que deus não existe. Logo, deus existe." Se este é, ou não, um bom argumento, é algo que poderás aprender no próximo ano quando estudares Lógica. Ainda assim, para que vás pensando no assunto, aqui fica uma dica: parece-te bem defender a nossa posição acerca de um problema chamando a atenção para os pontos fracos da posição contrária?

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

. As perguntas dos filósofos


Muito embora não imponha limites a si mesma, uma vez que o filósofo se interessa por tudo, podemos dividir a Filosofia em áreas distintas, consoante a dimensão da vida a que a interrogação se dirige. E isto desde muito cedo, como poderás verificar no vídeo sobre Platão, que tanto perguntava "o que é a beleza?" como perguntava "o que é a justiça?". 
Quando perguntamos "o que é a beleza?" presente numa obra de arte, por exemplo, ou mesmo "o que é a arte?", diz-se que estamos no domínio da Filosofia da Arte.
Quando perguntamos "o que é a justiça?" ou "como deve ser distribuída a riqueza?", o que vem a dar no mesmo, diz-se que estamos a colocar uma questão de Filosofia Política.
Quando perguntamos "o que é agir moralmete bem?" ou "em que nos baseamos para distinguir o certo do errado?", isto é, "como devo orientar a minha ação?", diz-se que estamos no campo da Ética.
Se, por exemplo, perguntarmos "deus existe?" ou "qual é o sentido da vida?", estaremos a fazer perguntas da Filosofia da Religião.
Quando, por sua vez, perguntamos "será que somos livres?" ou "escolhemos realmente o que fazemos?", diz-se que estamos a colocar questões de Metafísica.
A lista podia continuar... com a Ontologia, por exemplo, um domínio muito específico que pouco te interessa neste momento. Ou com a Lógica, onde se aprende a raciocinar validamente, uma disciplina que terás oportunidade de conhecer no próximo ano. Durante o que agora começa, estudarás um pouco de Metafísica, o chamado problema do livre-arbítrio, de Ética, para que percebas que nem sempre é fácil tomar uma boa decisão, de Filosofia Política, para cultivares a tua consciência cívica, e de Filosofia da Arte, por fim, para que enriqueças a galeria dos teus conhecimentos. Vamos a isso?

. Platão segundo Savater

. Alegoria da Caverna - versão animada

. Sócrates - um filme de Rossellini -


. O que é e para que serve a Filosofia?


Se pararmos para pensar no significado da palavra "filosofia", isto é, se fizermos uma abordagem etimológica, verificamos que se trata de uma palavra com origem no grego resultante da junção de outras duas: philia e sophia. Philia significa amor ou amizade. Sophia, por sua vez, significa saber ou sabedoria. Logo, philosophia significa amor pela sabedoria. Mas que amor e saber serão esses? Será que estamos a falar de um amor como o que aproxima dois seres humanos, por exemplo, e que quando é cuidado gera tranquilidade e paz de espírito? E o saber? Estaremos nós perante o domínio de uma técnica específica? Como quando dizemos, por exemplo, que sabemos dançar ou conduzir um automóvel? Para responder a estas perguntas, o melhor é recuarmos à Grécia Antiga, séc. Va.c., e pensarmos um pouco naquele que é para muitos o primeiro grande filósofo: Sócrates.
Sócrates, tal como aprendeste na primeira aula, nunca escreveu. De acordo com Platão, que lhe deu voz nos seus famosos diálogos, a sua estratégia era outra. Preferia andar pela Ágora - o espaço profano das cidades - colocando questões embaraçosas àqueles que elegia para interlocutor. Efetivamente, tal como dizia de si próprio, Sócrates não ensinava nada a ninguém. Ao contrário dos sofistas, uma espécie de sábios seus contemporâneos, ele não detinha respostas para os problemas que colocava. A ideia era outra. Tratava-se de colocar questões atrás de questões de modo a que os interrogados se apercebessem da fragilidade das suas respostas. Dito de outro modo: Sócrates estava mais interessado em confrontar os seus interlocutores com aquilo que ignoravam, com o caminho que ainda teriam a percorrer, do que em ensinar-lhes o que quer que fosse. Daí a sua frase célebre "só sei que nada sei" e a ideia que ainda hoje prevalece de que em filosofia as perguntas são mais importantes do que as respostas. É essa, aliás, a lição que devemos tirar da "Alegoria da Caverna", igualmente tratada na primeira aula: devemos parar para pensar naquilo que nos aprisiona e impede de ver as coisas tal qual elas são. E que coisas são essas? Que grilhões são esses? Tudo, tudo aquilo que nos impede de pensar e de continuar a questionar: as certezas que detemos e não testamos, como os preconceitos e os dogmas; as primeiras impressões que não avaliamos, como as que resultam dos sentidos e por vezes nos iludem; a ingenuidade com que confiamos naqueles que estão interessados em manipular-nos, como acontece com os mass media, os publicitários e os maus políticos; enfim, tudo quanto possa impedir-nos de pensar pela nossa cabeça e evitar a precipitação.
Como vês, para recuperarmos a abordagem etimológica, não se trata de um amor que gere grande comodismo e satisfação. Não é para isso que estudamos Filosofia. Pelo contrário, aquilo que se espera de ti é inconformismo e inquietação. Espera-se que duvides e que avalies cada situação com espírito crítico, isto é, que testes as tuas crenças e opiniões antes de as assumires como as melhores. Que tenhas coragem de pensar por ti próprio -sapere aude-, como disse Kant, outro grande filósofo de quem falaremos, e que te tornes num ser autónomo. Assim como se espera, tal como Sócrates, que o faças persistente e radicalmente, isto é, sem que alguma vez te dês por satisfeito com as respostas que vais encontrando.
Em relação ao tipo de saber em questão, ainda em sintonia com Sócrates, a interrogação filosófica não tem limites. Não se trata de um saber específico cuja área de investigação está mais ou menos delimitada, tal como acontece com as outras ciências. Sócrates tanto perguntava "o que é a virtude", o que poderá interessar a todos, como perguntava "o que é o verdadeiro saber", ao alcance de apenas de alguns. Ou seja, a Filosofia tanto nos pode ajudar nas questões do dia a dia, daí dizer-se que esclarece o senso comum - o conjunto de ideias feitas àcerca dos problemas mais simples que herdamos ao longo do processo de socialização -, como nos remete para questões muito difíceis. Algumas são tão difíceis que não é possível responder-lhes de modo universal, isto é, que agrade a todos sem exceção, tal como quando perguntamos se "Deus existe?" ou "Qual é o sentido da vida?". 
Seja como for e a propósito do que quer que seja, talvez seja esta a ideia mais importante por agora, a Filosofia pede-nos que nunca deixemos de desconfiar. Sempre que se justifique, pois claro, uma vez que há diferentes graus de certeza - não preciso de pôr a mão no fogo para verificar por mim mesmo que o fogo queima!-. Que desconfiemos e testemos as conclusões a que vamos chegando, como que se de um caminho sem fim à vista se tratasse. Um caminho por vezes difícil, é verdade, mas indispensável para quem quer saber o tipo de chão em que pisa. Alinhas?