segunda-feira, 26 de maio de 2014

. John Rawls segundo Michael Sandel


. John Rawls e a teoria da justiça social


John Ralws é um filósofo norte americano, falecido em 2004, cuja teoria sobre o Estado assenta no conceito de Justiça Social, como o corpo na coluna vertebral. Em termos gerais, opõe-se ao utilitarismo no domínio da política. Isto é, considera que não há bem estar comum que justifique o sacrifício das liberdades fundamentais. Condenando tanto o liberalismo selvagem, que sacrifica os menos favorecidos em nome da eficácia económica, como o socialismo autoritário, que sacrifica os mais favorecidos em nome de uma igualdade artificial. Tentou, por isso, conciliar a ideia de liberdade com a de igualdade, sem prejuízo de nenhuma, assim como defendeu que os direitos das pessoas derivam dos princípios de uma sociedade justa: o princípio da igualdade de oportunidades, princípio da liberdade igual e princípio da diferença.

Igualdade de oportunidades: trata-se de um princípio básico de justiça social segundo o qual o acesso às posições sociais mais valorizadas deve estar garantido a todos independentemente das condições económicas de cada um. Dito de outro modo: quem não tem recursos económicos suficientes deve ser apoiado pelo Estado, de modo a que o seu sucesso dependa única e exclusivamente do seu empenho pessoal e não de quaiquer critérios menos evidentes. Numa palavra, o mérito deve ser o critério.

Liberdade Igual: cada pessoa deve ter o máximo de liberdade (civil) que seja compatível com igual grau de liberdade para todos os outros. Isto quer dizer que não haverá sociedade justa se as liberdades básicas - liberdade de expressão, de voto, à propriedade privada - não estiverem garantidas para todos de igual modo.

Princípio da diferença: segundo este princípio, aqueles que foram brindados com um talento natural que os tornou ricos devem auxiliar os que a natureza não brindou. Nesse sentido, a riqueza deve ser distribuída de forma igualitária, com exceção para os casos em que as desigualdades beneficiem os menos favorecidos (exemplo do médico). No que diz respeito à propriedade, o Estado deve implementar medidas de modo a fazer pagar mais a quem tem mais (exemplo dos impostos).

Em conjunto, constituem os três princípios que qualquer sujeito racional adotaria antes de saber a sua posição social e a parte das faculdades naturais que lhe cabe. É isso que John Rawls quer dizer quando usa a expressão "tomada de decisão sob um véu de ignorância", para que a imparcialidade seja garantida.

domingo, 25 de maio de 2014

. Thomas Hobbes e John Locke

. John Locke segundo Fernando Savater

. O contratualismo de John Locke


John Locke (1632-1704), tal como Hobbes, é contratualista. Isto é, para este filósofo, considerado o pai do liberalismo político, o Estado também deve ser entendido como uma construção humana que vem responder à complexificação das relações socias. Há, no entanto, algumas diferenças fundamentais:
1. Ao contrário de Thomas Hobbes, John Locke estava convencido de que o estado de natureza não era um estado de guerra generalizada de todos contra todos. Ou seja, ainda que alguns tentem sobrepor a sua vontade à vontade dos outros, a verdade é que o homem não é naturalmente mau. Isto é, mesmo sem poder político e em nome do seu próprio interesse, os seres humanos têm consciência moral, o que os leva a distinguir naturalmente o bem e o mal, assim como a respeitar os direitos naturais reconhecidos por todos: o direito à vida, o direito à liberdade e o direito à propriedade.
2. O Estado justifica-se porque nem sempre somos suficientemente fortes para fazer respeitar os direitos naturais e não porque ninguém os respeita. Isto é, uma vez que haverá sempre quem põe os direitos naturais em risco, daí que John Locke fale de guerra de alguns contra alguns e não de todos contra todos, é necessário criar instituições - governo, tribunais, polícia - capazes de garantir o respeito por esses mesmos direitos.
3. O contrato social não consiste numa renúncia aos direitos fundamentais como propunha Hobbes, mas na renúncia à possibilidade de fazer justiça pelas próprias mãos. Ou seja, para evitar o recurso à violência, os cidadão elegem instituições imparcias em quem delegam o poder de gerir equitativamente - igual para todos - os conflitos sociais.
4. Ao contrário de Hobbes, o poder não está concentrado nas mãos de um soberano, seja ele um homem ou parlamento, mas distribuído por instituições específicas e independentes entre si. Daí que Locke fale em divisão tripartida dos poderes - legislativo, executivo e judicial -, de modo a evitar os abusos de poder.
5. As instituições políticas não têm poderes ilimitados, também elas estão sujeitas à lei que representam e fazem executar. Mais: se as instituições não respeitarem os direitos fundamentais, afinal a sua razão de ser, os cidadãos poderão recorrer à resistência e à desobediência civil. Em última análise, promover a substituição dos titulares dos cargos de poder, tal como acontece hoje em dia nas democracias modernas com recurso a eleições.

. Thomas Hobbes segundo Fernado Savater


. O contratualismo de Thomas Hobbes


Ao contrário de Aristóteles, para quem o Estado era a expressão direta da natureza política do ser humano, Thomas Hobbes (1588-1679) defende que o Estado é uma construção, isto é, uma instituição artificial que se justifica a partir de dado momento da vida em sociedade. Quais as razões que levaram os homens a organizar-se politicamente, é o que veremos de seguida.
Segundo Thomas Hobbes, o ser humano tem uma natureza egoísta e estaria condenado a viver em guerra permanente de todos contra todos - bellum omnium contra omnes -. Ou seja, antes da instituição do Estado Político, que vem ordenar a vida social, o homem vive num estado de natureza em que todos se julgam com direito a tudo. Uma condição caótica, portanto, de conflito generalizado e em que imperaria a lei do mais forte: o homem é o lobo do homem - homo homini lupus -.
Com a complexificação da vida social e sem quaisquer garantias de paz e segurança, os seres humanos viram-se então na necessidade de celebrar um contrato cujos termos garantissem a estabilidade desejada. A esse contrato deu-se o nome de contrato social. Um contrato celebrado pelos cidadãos entre si em que cada um se compromete a renunciar aos seus direitos, que são transferidos de forma incondicional e irrevogável para as mãos do soberano. O soberano - um homem ou um conjunto de homens -, por sua vez, tratará de garantir o direito à vida constantemente ameaçado no estado de natureza. Dito de outro modo: confrontados com a instabilidade generalizada, os seres humanos, agora convertidos em cidadãos, transferem os seus direitos para as mãos de um soberano que sem quaisquer outros limites se encarrega de garantir a paz e a segurança desejadas. Um pau de dois bicos, portanto.
Por um lado, o direito à vida fica salvaguardado, essa é a única obrigação do soberano. Por outro, exatamente por não estar obrigado a mais nada, isto é, por ter poderes absolutos, o soberano está acima da lei, que impõe sem qualquer contestação possível. Daí que o soberano seja apelidado de Leviatã, o mostro marinho da mitologia, e o seu corpo seja alimentado pela acumulação dos cidadãos anónimos que assim são devorados pela terrível criatura. Ou seja, a preocupação com a segurança, talvez excessiva, deixa os cidadãos completamente à mercê do soberano, que legisla e executa as leis sem que tenha de dar qualquer justificação.
Embora te pareça distante no tempo e improvável no estado a que chegaram as democracias atuais, a verdade é que continua a ser importante estudar a proposta de Thomas Hobbes. Desde logo porque ainda existem estados totalitários, como acontece com a Coreia do Norte, onde sob o mesmo pretexto da segurança os cidadãos se vêm convertidos em elementos de uma mesma massa uniforme sem acesso a alguns dos direitos fundamentais: a liberdade de pensamento e expressão, o direito à diferença, à indignação... Depois, porque mesmo em democracia, em relação à qual ninguém te pediu opinião - o contrato social está implícito, tácito, quando nasces já fazes parte do sistema -, existem perigos semelhantes: é verdade que as liberdades fundamentais estão garantidas, pelo menos teoricamente, mas não é menos verdade que há sempre interesses instalados empenhados em manipular-te e levar-te a pensar de um modo que proteja esses mesmos interesses. Chomsky, um filósofo particularmente atento ao modo como o mundo está organizado, uma vez confrontado com a letra de Redemption Song de Bob Marley, que ouviste nas aulas e poderás reapreciar de seguida na versão de Matisyahu, é bastante claro em relação a isso mesmo: Eu devia conhecer essa canção. Quando as pessoas quiseram tanta liberdade que deixaram de poder ser escravizadas, assassinadas ou reprimidas, desenvolveram-se naturalmente novas formas de controlo, para tentar impor formas de escravidão mental, a fim de que aceitassem um enquadramento de doutrinação e não questionassem o que quer que fosse. Quando se consegue que as pessoas não percebam e deixem de questionar doutrinas tão cruciais, elas estão escravizadas. Irão seguir ordens como se estivessem diante de uma arma apontada.

segunda-feira, 19 de maio de 2014

. A política de Aristóteles

. Aristóteles e a justificação naturalista do Estado


Aristóteles (384-322 a. C.), que também foi mestre de Alexandre Magno, coloca o problema da justificação do Estado num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os fundamentos e a organização da cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo «política»). Naquele tempo, as principais cidades gregas eram estados independentes – tinham os seus próprios governos e exércitos, além de leis e tribunais próprios. Por isso se chamam cidades-estado. Assim, ao falar da origem da cidade, Aristóteles está a falar da origem do estado. Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente impensável. Viver numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza humana. Quem conseguir viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é uma besta ou um deus», diz Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e justificação do estado é naturalista.

O argumento central de Aristóteles é o seguinte:
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades.
Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma comunidade (cidade-estado).
Logo, faz parte da natureza humana viver na cidade-estado.

Fora da cidade-estado seríamos incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso torna-se claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se limitaram a formar pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros animais. Constituíram também comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão entre governantes e súbditos, com vista à auto-preservação.
A comunidade mais completa, que contém todas as outras, é a cidade-estado. Esta é auto-suficiente e não existe apenas para preservar a vida, mas para assegurar a vida boa, que é o desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-estado é a comunidade mais perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm tendência para se tornarem estados. Ou seja, a finalidade de todas as comunidades é tornarem-se estados. Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a natureza de uma coisa é a sua finalidade, aquilo para que tende.
Assim, a finalidade dos seres humanos é viver na cidade-estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso natural dos seres humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas comunidades de lares, e destas para a comunidade mais alargada e auto-suficiente da cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que «o homem é, por natureza, um animal político», isto é, não há realmente seres humanos isolados da comunidade. Alguém que viva fora da sociedade sem estado não chega a ser um ser humano (é uma besta) ou é mais do que um ser humano (é um deus).

domingo, 18 de maio de 2014

. O problema da justificação do Estado


Quando nasceste, os teus pais tiveram que registar-te. Cresceste, e foram obrigados a mandar-te para a escola. Agora, uma vez ultrapassada a barreira dos dezasseis anos, também tu terás de obedecer à autoridade em nome próprio. Caso não o faças, segundo a lei portuguesa, poderás ser responsabilizado criminalmente. Tudo isto sem que alguma vez te tenham perguntado se concordavas com o sistema em que desde cedo foste incluído. Será isso legítimo? Por que razão está a sociedade organizada deste modo? Este é o problema da justificação do Estado.
O problema da justificação do Estado foi um problema colocado desde muito cedo e por diversos filósofos com posições igualmente diversas. Ainda assim, podemos dividir essas posições em dois grandes grupos: a proposta naturalista e as proposta contratualista. A primeira vai no sentido de mostrar que o ser humano nasceu para isso mesmo, para viver em sociedades politicamente organizadas, que é essa a sua natureza. A segunda defende que a complexificação da vida em grupo levou os seres humanos, a dado momento e por razões várias, a estabelecer um contrato que os obriga às regras aí consignadas. Como exemplo da primeira proposta temos a posição de Aristóteles, de quem já ouviste falar por ter sido discípulo de Platão. Como exemplo da segunda, entre outros pensadores modernos, temos as posições de Thomas Hobbes e de John Locke. Analisar essas propostas e discutir as diferenças entre cada uma delas, é o que faremos de seguida.