sexta-feira, 10 de abril de 2020

. Rawls: a crítica libertarista de Nozick



Robert Nozick (1938-2002) é um filósofo norte-americano cuja obra capital - Anarquia, Estado e Utopia -, publicada em 1974, deverá ser entendida como resposta a Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, publicada três anos antes. 
Segundo este filósofo, que aceita na generalidade o princípio da liberdade - só não aceita a ideia de que não há liberdades absolutas -, o problema da teoria da justiça proposta por Rawls está no princípio da diferença. Segundo este princípio, como terá ficado claro nas publicações anteriores, a riqueza deveria ser distribuída de modo a que os menos favorecidos ficassem na melhor situação possível. Um princípio, segundo Nozick, que só seria aplicável à custa da intervenção constante do Estado e do sacrifício eticamente intolerável dos direitos das pessoas. Dito de outro modo, segundo Nozick a aplicação do princípio da diferença implica uma intromissão abusiva do Estado na vida individual, tratando os bens das pessoas como se não fossem delas.
Analisemos o exemplo de Cristiano Ronaldo à luz da crítica de Nozick. Imaginando que o atleta português adquiriu toda a sua riqueza de forma justa,  sem ter enganado ninguém e que as partes que com ele celebraram os contratos o fizeram de forma voluntária, será eticamente correto obrigá-lo a pagar mais impostos de modo a compensar os menos favorecidos economicamente? Nozick afirma que isso não é tolerável, uma vez que haverá sempre quem não se esforça o suficiente, ao contrário de Ronaldo, e se aproveitaria disso, acabando por viver à custa dos outros. Ou seja, segundo Nozick, a propriedade é um direito absoluto e nunca o Estado deveria estar autorizado a "tirar" a uns para "dar" a outros sem o consentimento dos primeiros. Mais: cada um deverá sentir-se livre para fazer uso da sua riqueza como muito bem entender, nomeadamente investi-la livrevemente de modo a gerar lucro e mais riqueza ainda, o que faz de Nozick um libertarista, isto é, um defensor radical do liberalismo económico segundo o qual o mercado não conhece outras regras senão as que dita a si mesmo.
Continuemos a pensar no caso de Ronaldo e vejamos se a visão de Nozick será inatacável. É verdade que Ronaldo deve a sua fortuna a si mesmo, sobretudo ao profissionalismo que todos lhe reconhecemos, mas não será igualmente verdade que nem todos tiveram a sorte de nascer com a sua compleição física e genética? Não há indivíduos que, por muito que se esforçam, jamais alcançarão o seu nível? Os portadores de deficiência, por exemplo. E outros ainda, que embora fisicamente apetrechados, nunca tiveram a oportunidade de desenvolver as suas capacidades? Que fazer desses? Vamos deixar que permaneçam vulneráveis para sempre e dependem da solidariedade de Ronaldo como sugere Nozick - Nozick afirma que embora não seja justa obrigar os mais favorecidos  a ajudar os mais necessitados, devemos apelar à sua generosidade -? E se Ronaldo não fosse solidário? E quantos lucrarão da solidariedade de Ronaldo? Poderá Ronaldo estar em todo o lado e substituir-se ao Estado? Já agora, em relação à ideia de mercado livre, se a ideia é a de que o mercado dita as suas próprias regras e a iniciativa privada deve ser respeitada sem quaisquer limites, por que razão deveria ser o Estado a salvar os bancos privados quando estes entram em colapso? Pois é... deixo-te as questões e tira as tuas próprias conclusões. Não te esqueças, porém, de o fazer sob o "véu da ignorância" como sugere John Rawls, isto é, independentemente de seres amigalhaço do Cristiano Ronaldo ou teres nascido com uma doença crónica incurável!

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